sábado, 22 de janeiro de 2011

Reflexão




Livro "Sinto Muito" de Nuno Lobo Antunes


Ao findar a leitura deste livro, as minhas primeiras palavras caracterizam-no como sendo um livro imperdível, humano, grandioso e literariamente espantoso.
Nuno Lobo Antunes é médico Neuro-Oncologista Pediátrico, que passou muito tempo a exercer a sua profissão nos Estados Unidos e que agora, em Portugal, se dedica, no campo da neurologia, às doenças associadas ao deficit de atenção (autismo, síndrome de Asperger, entre outras). Há, no médico, um desejo de ser santo, de ser maior. Mas, na sua memória transporta olhares, sons, cheiros e tudo o que o lembra de ser menor e imperfeito.
"Sinto Muito" fala-nos sobre o sofrimento em geral onde entristece o coração mas recompensa-o grandiosamente, tornando-o mais leve e melhor. O autor conta-nos que este é um livro de memórias e confissões; confissões de quem agradece, de corpo e alma, a todos os doentes o quanto lhe ensinaram, deixando que o seu coração se prenuncie, libertando a sua voz e que seja conhecida a sua humanidade. E, na verdade, a alma fala. "Sinto Muito contém a ambiguidade de quem fez o que pôde, e como tal se iliba do que a mais se devia obrigar" ANTUNES, António Lobo (2008:15)
Os temas que o autor trata são temas complexos e sensíveis e que muitas vezes a sociedade tende a distanciar-se – crianças e doenças terminais. São, por natureza, quase incompatíveis, porque quando pensamos em crianças associamos a alegria, risos, inocência, mas quando a doença surge neste ciclo de vida ela "corta" uma vida por viver, estando rodeada do sofrimento das próprios crianças e de todo o sofrimento e inquietudes da família envolvente.
Todos os relatos das suas vivências transmitem-nos uma grande dimensão emocional e humana e a impotência que o médico tem num caso de perda ou de um diagnóstico condenatório. É a sua relação com os doentes e seus familiares e o seu grau de intimidade e envolvência com a dor do outro, que também é a sua, que impressiona e nos sensibiliza nas pequenas crónicas do livro.
Ao ler o livro, senti em cada palavra do autor, a intensidade das palavras impressas nas suas histórias com força, beleza e sensibilidade. Uma escrita, simples e com verdadeiros momentos de poesia, em que o autor tenta desdramatizar a gravidade do que é contado, retirando coragem e apaziguamento das suas vivências, afirmando que "Não nos lamentaremos, antes iremos encontrar força no que para trás ficou". ANTUNES, Nuno Lobo (2008:12)
Como enfermeira, lido diariamente com doentes em que a doença "mata" a cada dia que passa um pouco da personalidade do outro/família, visto que acarreta medos, insegurança, fragilidade, inquietudes, receios, muitas vezes incontroláveis…! Revejo-me em muitos momentos deste livro, questionando-me, e para muitos pode parecer um questão bizarra, porque é que aprendemos e crescemos com o sofrimento das pessoas que quem cuidamos?
Cuido de pessoas iguais a mim, seres humanos com valores, sentimentos, com direitos, dignidade, desejos, ambições. São todas essas personalidades diferentes, sofridas, vividas que me transmitem muito sobre a vida! Aprendo a dar mais valor às pequenas coisas, reflectindo mais sobre o meu modo de viver o dia-a-dia, as prioridades, a relação com os outros e a toda a dignidade humana, que nós como profissionais de saúde mas acima de tudo como seres humanos devemos respeitar! Nem sempre mergulhamos nos bons momentos, mas também no caos dramático que a nossa profissão presencia e acarreta, dando uma forma ou razão, oferecendo-nos socorro quando nada parece possível. Muita da nossa força provém da coragem manifestada pelos doentes e, em particular, pelas famílias confrontadas pela crueldade do seu destino! Muitas vezes, a pessoa doente vê em nós o seu "porto de abrigo", necessitando apenas de um abraço, de uma palavra amiga, de um obrigado ou, mesmo até, de partilhar um momento de silêncio.
Como aluna do Curso de Pós – Graduação em Cuidados Paliativos, deparo-me com a riqueza de conhecimentos científicos, experiências, e com a grande importância e relevo que esta área tem na nossa sociedade, visto que cada dia que passa deparamo-nos com crianças, jovens, adultos e idosos afectados por doenças graves, incuráveis e progressivas que afectam a sua qualidade de vida.
Revejo a filosofia dos Cuidados Paliativos nesta obra por mim lida. Neste livro, o médico e o doente são um só. Os cuidados são centrados no doente, dando ênfase a uma visão holística que, todos nós, profissionais de saúde, devemos integrar no nosso dia-a-dia, aquando o cuidar do outro. Temos de considerar a pessoa doente na sua integralidade, pois só assim é possível promover o seu bem-estar, conforto, qualidade de vida e dignidade da pessoa doente.
Ao ler este livro pensamos: Porque é que todos os profissionais de saúde não agem deste modo? Do modo como António Lobo Antunes vê, saboreia e vive a vida, cuidando dos que precisam de nós? Do modo como todos os cuidados de saúde deviam ser sentidos por aqueles que o prestam?
Convivemos diariamente com o desgosto, a dor, a impotência e fragilidade dos nossos actos mas (só) assim temos o privilégio de conhecer a Humanidade em toda a sua essência, no seu melhor, na coragem, mas sobretudo no Amor. O autor realça esta ideia dizendo " (…) ao anunciar-se uma má noticia há a obrigação ética e moral de uma completa disponibilidade para dar apoio técnico, mas também o conforto emocional de que a família necessita (…) Quantas vezes me interroguei sobre o falhanço dessa ligação, sobre a melhor maneira de comunicar, com verdade, o desmoronar de um sonho, a derrocada da fantasia, a morte por tempo incerto da alegria de viver. Não há maneiras boas de dizer coisas más, mas há maneiras melhores que outras. (…) Fui muitas vezes obrigado a anunciar, pelo telefone a altas horas da madrugada, a morte de alguém (…) ouvia um grito (…) e a que invariavelmente se seguia. Obrigado. Porquê? A não ser por cumprir o desejo profissional de mergulhar na noite, ligado pelo misterioso elo de dor e simpatia a quem não conhecia, não iria conhecer, e com quem partilhava talvez o momento mais dramático da sua vida. A voz da tragédia era simultaneamente a única a quem naquele momento se podia também sentir o calor da fraternidade, da empatia, da humanidade. Obrigado doutor. Obrigado a si por não ter apontado o falhanço da cura, responsabilizado pelo derrubar da esperança, odiado por trazer, pegada a mim, a má notícia. Doutor, partilhamos ambos o desespero da impotência, por isso lhe agradeço." ANTUNES, António Lobo (2008: 41,42)
Este livro vem enriquecer, ainda mais, a pessoa e profissional de saúde que sou, visto que relata muitas experiências por mim identificadas e que me fazem reflectir muito sobre o processo de cuidar! Todos nós podemos cuidar, mas nem todos sabem fazê-lo.
Qualquer enfermeiro, médico, profissional de saúde e todas as outras pessoas que tenham tido experiências semelhantes vão-se reconhecer neste livro, confrontando-se com todas as imagens reflectidas no espelho da vida humana.
É preciso afirmar aquilo que se acredita. É preciso usar as grandes palavras sem ter medo de as professar: fé, amor, vergonha, coragem e nunca redimir nada do que sentimos, pois só assim, e mais do que e nossa própria razão, seremos verdadeiros connosco próprios e com aqueles que nos ensinam a viver…. Os doentes de quem cuidamos.
"O amor como razão de ser e de viver…. E sem pudor dos afectos, confessar que sinto muito". ANTUNES, Nuno Lobo (2008:247)

Angra do Heroísmo, 21 de Janeiro de 2011

Lara Ávila (Enfermeira, Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, E.P.E – Aluna PGCP ESEnfAH-UAç)

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