sábado, 15 de janeiro de 2011

Fundamentos de Cuidados Paliativos


“Aos profissionais de saúde, falta-lhes muitas vezes o tempo, mas sobra-lhes quase sempre o medo. O medo da própria morte; o medo da agonia reflectida nos olhos de quem está moribundo; o medo da nossa própria fragilidade perante o sofrimento do outro, da sensação de impotência e incapacidade para prestar ajuda, quer ao doente em fim de vida, quer à família que o rodeia”. (Pereira, 2008:169).
Nós, enquanto enfermeiros, no nosso percurso profissional, acompanhamos os utentes ao longo do ciclo de vida, prestando cuidados quer para a cura, quer para a promoção de um fim de vida com dignidade, tranquilidade, sem dor, sem sofrimento, junto dos seus familiares. Sendo assim, surge a necessidade dos profissionais de saúde realizarem uma abordagem global e holística do utente, visando sempre o seu bem-estar, a sua qualidade de vida, o seu conforto, encarando, ao mesmo tempo, a morte como um processo intrínseco à própria vida.
Segundo o Programa Nacional de Cuidados Paliativos (DGS, 2005), a cultura dominante da sociedade tem considerado a cura da doença como o principal objectivo dos serviços de saúde. A incapacidade de oferecer uma resposta terapêutica e a realidade de que todos nós iremos morrer apresentam-se perante os profissionais de saúde, habitualmente, como um fracasso da sua actuação enquanto prestadores de cuidados, uma vez que se trata de uma área de difícil intervenção.
Cada vez mais, assiste-se ao fenómeno de “hospitalização da morte” e a uma distanciação, por parte da sociedade, face aos problemas do final de vida. Isso deve-se, muitas vezes, à falta de conhecimento/apoio no acompanhamento ao utente em fim de vida e à morte ser considerada como um “tabu”, um fracasso (APCP, 2006).
A nossa experiencia profissional tem-nos demonstrado como é difícil e complexo prestar cuidados ao doente em fim de vida, bem como apoiar os seus familiares, de forma a satisfazer as necessidades por eles sentidas. Até agora, tanto os cuidados de saúde primários como os diferenciados estão direccionados para um atendimento activo e altamente sofisticado para tratar doenças, não oferecendo, estruturas físicas que facilitem o acompanhamento global a doentes na fase final da vida, para que a possam viver com dignidade e qualidade.
Cada pessoa tem uma individualidade muito própria, é um ser único, especial, tem experiências de vida complexas, um valor muito próprio para cada passo e acima de tudo, ela atribui à sua vida o seu próprio entendimento. Partilhamos o pensamento de Anjos (1996, citado por Pires 2001:87), de que “é necessário aplicar a atenção a essa pessoa, reflectir sobre ela e agir a seu favor”. Os enfermeiros devem ir ao encontro da pessoa e estabelecer uma relação terapêutica, reflectida e baseada na verdade e na evidência cientifica, nunca esquecendo os princípios éticos.
 O doente em fim de vida merece todo o respeito e disponibilidade para partilhar com os seus familiares e amigos, mínimos detalhes e pequenos gestos de ternura nos seus últimos momentos. O processo do acompanhamento ao doente em fim de vida requer uma filosofia de cuidar, ouvir, sentir e não somente aplicação de técnicas e/ou tratamentos sofisticados, pois frequentemente afirma-se “já não há nada a fazer”. No entanto, é indispensável ouvirmos o que o doente e a família têm para nos dizer, fruto das suas vivências, expectativas, medos, ansiedades perante a morte, tentando também escutar aquilo que não consegue revelar.
Sendo assim, os profissionais saúde deparam-se com a dificuldade de lidar com o sofrimento de doentes em fim de vida, bem como, junto dos seus familiares que nesta fase são considerados, simultaneamente, prestadores e receptores de cuidados. Qualquer intervenção que vá para além da cura ou prevenção da doença é um acompanhamento de carácter difícil, atendendo à globalidade do doente, uma vez que acarreta um conjunto de problemas não só físicos como psicossociais e espirituais. Nesta linha de pensamento, surge o conceito de cuidados paliativos.
Cuidados Paliativos são “Cuidados prestados a doentes em situação de intenso sofrimento, decorre de doença incurável em fase avançada e rapidamente progressiva, com o principal objectivo de promover, tanto quanto possível e até ao fim, o seu bem-estar e qualidade de vida. Os cuidados paliativos são cuidados activos, coordenados e globais, que incluem o apoio à família, prestados por equipas e unidades específicas de cuidados paliativos, em internamento ou no domicílio, segundo níveis de diferenciação” (DGS, 2005:10).
Da diferente literatura consultada, deparamo-nos com vários princípios dos Cuidados Paliativos. Segundo a OMS e da sua transposição para o Programa Nacional de Cuidados Paliativos (DGS, 2005:8) os mais relevantes são:
·        Afirmam a vida e encaram a morte como um processo natural;
·        Encaram a doença como uma causa de sofrimento a minorar;
·        Consideram que o doente vale por quem é e que vale até ao fim;
·        Reconhecem e aceitam em cada doente os seus próprios valores e prioridades;
·        Reconhecem que o sofrimento e o medo perante a morte são realidades humanas que podem ser médica e humanamente apoiadas;
·        Consideram que a fase final da vida pode encerrar momentos de reconciliação e de crescimento pessoal;
·        Assentam na concepção central de que não se pode dispor da vida do ser humano, pelo que não se antecipa nem se atrasa a morte, repudiando a eutanásia, o suicídio assistido e a futilidade diagnóstica e terapêutica;
·        Abordam de uma forma integrada o sofrimento físico, psicológico, social e espiritual do doente;
·        São baseados no acompanhamento, na humanidade, na compaixão, na disponibilidade e no rigor científico;
·        Centram-se na procura do bem-estar do doente, ajudando-o a viver tão intensamente quanto possível até ao fim;
·        Só são prestados quando o doente e a família os aceitam;
·        Respeitam o direito do doente escolher o local onde deseja viver e ser acompanhado no final de vida;
·        São baseados na diferenciação e na interdisciplinaridade.
Neste sentido, os cuidados destinam-se a pessoas que apresentem, cumulativamente ausência de tratamento curativo, rápida progressão da doença, expectativa de vida limitada, sofrimento intenso, múltiplos e complexos problemas e necessidades de difícil resolução que exigem apoio específico, organizado e interdisciplinar. Não são determinados pelo diagnóstico, mas pela situação e pelas necessidades do utente e da sua família (DGS, 2005). Os Cuidados Paliativos dirigem-se, mais frequentemente, a utentes que apresentam doenças do foro oncológico, SIDA em estádio avançado, insuficiências de órgão avançadas (cardíaca, respiratória, hepática, renal), doenças neurológicas degenerativas e graves, AVC´s e demências em estádio muito avançado. A complexidade dessas doenças têm um grande impacto sócio-familiar de difícil resolução quer em cuidados de saúde primários quer em cuidados de saúde diferenciados (APCP, 2006).
Assim sendo, os Cuidados Paliativos assentam nos seguintes componentes centrais (Neto, 2010):
·        Alívio de sintomas - controle dos sintomas que os utentes apresentam através da utilização de medidas farmacológicas e não-farmacológicas;
·        Apoio psicológico, emocional e espiritual – comunicação adequada com o utente e a sua família, utilizando estratégias para a promoção da sua dignidade;
·        Apoio à família e no luto - detectar os seus problemas, as suas necessidades e mobilizar as suas mais-valias, ajudando-a com as perdas, antes e após a morte do utente;
·        Interdisciplinaridade - integrar o trabalho dos diferentes profissionais e voluntários, todos com formação específica na área, para dar resposta às múltiplas necessidades dos utentes e das suas famílias.
Em suma, esta perspectiva do cuidar vem trazer uma mais-valia no cuidar global e holístico centrado no utente e família, por uma equipa interdisciplinar, indo ao encontro da autonomia, dignidade, conforto e qualidade de vida da pessoa humana, permitindo, assim, a manutenção dos seus valores culturais e a sua filosofia de vida.
Para nós, enfermeiros, acompanhar a pessoa em fim de vida é um desafio que favorece o nosso crescimento pessoal, uma vez que “ganhamos vida” com a sabedoria e a experiência que nos é transmitida pelos utentes de quem cuidamos, aprendendo a valorizar cada momento do dia-a-dia. A nível profissional contribui para a melhoria da qualidade da nossa prestação de cuidados, pois adquirimos conhecimentos científicos rigorosos e profundamente humanizados que nos tornam capazes de ajudar a dignificar o fim de vida e a desmistificar tabu da morte. O número de pessoas a necessitar de Cuidados Paliativos é crescente, como tal é indispensável da nossa parte ter um papel activo na mudança da sociedade tornando-a mais solidária, avançada e informada para que possa reclamar adequadamente este tipo de cuidados, dando a mesma atenção e valor aos que se despedem da vida, assim como aos que a iniciam.

                                                         Os Alunos da PGCP da ESEAH-UAC

BIBLIOGRAFIA
·        APCP (Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos), (2006) [em linha], disponível em <http://www.apcp.com.pt/>, [consultado em: 2 de Dezembro de 2010];
·        DGS (Direcção Geral da Saúde) (2005), Programa Nacional de Cuidados Paliativos, Lisboa;
·        NETO, I. (2010), Cuidados Paliativos – Testemunhos, Lisboa, Alêtheia Editores;
·        PEREIRA, E. (2008), “Interacção com o doente terminal - Relação Médico-doente”, in Paliação em Gastrenterologia, Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais, Janssen- Cilag, pp. 163-171;
·        PIRES, A. (2001), “Cuidar em fim-de-vida: Aspectos Éticos”, in Cadernos de Bioética, nº25, Abril 2001, pp.85-93.

Sem comentários:

Enviar um comentário