quarta-feira, 16 de março de 2011

A “Última Aula” de Randy Pausch

Reflexão
A “Última Aula” de Randy Pausch


Todos conhecemos casos de pessoas com doenças grave, progressiva, oncológica e em fase avançada e se preparam para uma difícil jornada até chegar à sua morte. A história de Randy Paush vem inverter esta tendência, mostrando ao mundo, primeiro através de um vídeo, com mais de seis milhões de visitantes, e depois de um livro, como se podem superar momentos que se adivinham fatais.
O livro “A Última Aula” de Randy Paush baseia-se numa palestra ministrada em Setembro de 2007, altura em que ele tinha 46 anos de idade e um gravíssimo cancro do pâncreas. Por isso, não lhe foi necessário fazer um grande esforço para se imaginar na situação de uma “última aula”. Randy Pausch estava decidido a viver da melhor maneira o tempo que lhe restava, e considerou que aquela oportunidade poderia ser a única para deixar aos filhos de tenra idade uma imagem positiva do homem que ele era. Essa aula transmite uma energia contagiante, inteligência e sentido de humor. Foi, na realidade, uma lição de vida e será uma fonte de inspiração para milhões de pessoas.
Pausch era professor na Pensilvânia e cumpriu a tradição americana de leccionar a “última aula”. Essa tradição baseia-se em convidar professores a irem e universidades a proferirem uma palestra, sobre os temos que mais valorizam para deixar ao mundo como seu legado pessoal se a sua vida estivesse a chegar ao fim. Quando Pausch foi convidado a dar a última aula o seu estado de cancro do pâncreas metastático era avançado. O público que assistia transmitia um olhar incrédulo, visto que ficaram surpreendidos com o facto de Pausch, sabendo que lhe faltavam poucos meses de vida, falava de vida a não de morte e ficaram surpresos também, pelo facto de apresentar boa forma física junto de uma força e um optimismo invejável. Deixou um verdadeiro testemunho de vida, pedindo para ninguém sentir pena dele, pois era, decididamente, o pior que lhe podia acontecer. Demonstrou o seu pensamento positivo e o forte apelo de encarar a situação da melhor forma possível. Paush não se debruçou sobre o tema da morte, mas antes sobre a importância de realizar os sonhos de infância e aproveitar cada momento como se fosse o último. A última aula revelou-se, assim, um legado para o futuro, não só para os seus pequenos três filhos como para todos que querem encarar a vida pelo lado certo.
Encontrar um sentido para a vida, mesmo quando se vive uma doença terminal, passa também por ter a convicção que se está a cumprir um papel e um fim que são únicos, numa vida que traz consigo a possibilidade de ser vivida plenamente, de acordo com o potencial humano de cada um. Dessa forma, poder-se-á atingir uma sensação de plenitude, paz interior e até mesmo de transcendência. Como dizia Frankl (2004: 87), o sofrimento existencial advém, frequentemente, da liberdade e da capacidade de exercer a responsabilidade pessoal pela própria vida, da capacidade “dolorosa” de ter de fazer escolhas.
Com a minha experiência profissional, muitos dos doentes em fase terminal de vida têm uma elevada sensação de bem-estar quando conseguem encontrar um sentido para a vida, funcionando assim, como protector face à depressão e à valorização negativa de sintomas da doença. Existem circunstâncias e sofrimento que não temos a possibilidade de mudar, como por exemplo uma doença crónica e incurável. Nesses casos, os doentes são confrontados a mudar-se a si próprios, reestruturar a sua vida, as suas prioridades, os seus valores e todos os seus objectivos que querem alcançar até ao final da sua vida. Face à crise que o confronto com a doença terminal representa, uma pessoa doente pode ou não ser capaz de encontrar um sentido positivo para essa vivência, pode ou não ser capaz de encontrar uma explicação, por isso, é crucial o nosso apoio junto do doente e família, ajudando-o a encontrar um sentido para a sua vida para que se sinta realizado! Não é invulgar na minha prática profissional deparar-me com relatos de pessoas que, apesar de muito doentes, encontram um sentido positivo para essas vivências, que lhes proporcionaram, inclusivamente, crescimento interior, procurando um sentido para a vida, “agarrando-se” à esperança da cura da doença.
É incrível a força interior que este livro transmite! A força de um homem que, sabendo que a vida ao lado da sua mulher e filhos estava a aproximar-se do fim lutou contra tudo. Nunca negou a sua doença, mas de um certo modo o cancro “serviu de suporte” para muitas mudanças na sua vida, para reestruturar as suas prioridades, objectivos de vida, desejos e preparar um futuro sólido para a sua mulher e filhos, pois como afirmava “O tempo gasto com lamúrias não nos vai ajudar a alcançar os nossos objectivos. E não nos vai tornar mais felizes” (Pausch, 2008:163).
Com o decorrer da pós-graduação em Cuidados Paliativos sinto, cada vez mais, a necessidade de reflectir sobre a importância da vida, o que á viver para mim? O que posso dar de mim ao outro para melhorar a qualidade de vida? Será que devo mudar as minhas atitudes, o meu modo de agir? O que posso fazer para que uma pessoa com doença grave, incurável, progressiva consiga ver no seu sofrimento um legado para todos nós? Os Cuidados Paliativos transmitem-me a essência do viver e do cuidar, reflectem o que uma pessoa com uma doença em fase terminal pode-me ensinar. Nesta área recebemos mais do que damos e aprendemos mais do que ensinamos.
 “É interessante ver os segredos que decidimos revelar no final de vida.…se queremos alguma coisa com força suficiente, nunca podemos desistir (e devemos aceitar um empurrão quando oferecido). Os muros existem por um motivo. E, assim que os ultrapassamos - mesmo que alguém nos tenha praticamente empurrado para o outro lado -, poderá ser útil para os outro contar como foi.” (Pausch, 2008: 213)
No final de vida, muitos doentes transmitem-nos uma paz e serenidade contagiante. Uma paz de quem está a fazer tudo o que está ao seu alcance, para ser feliz e fazer feliz quem os rodeia. Uma verdadeira lição de vida para os que vão continuar a saborear a essência de cada dia.
Em jeito de conclusão, algumas perguntas… convites à reflexão: O que gostaria de deixar como legado aos outros? Se hoje fosse dar a minha Última Aula, como seria? Qual a minha lição de vida?
Lara Ávila (Enfermeira, Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, E.P.E – Aluna PGCP ESEnfAH-UAç)