quarta-feira, 13 de julho de 2011

Encerramento do 1ºCurso de Pós-Graduação em Cuidados Paliativos

No passado dia 8 de Julho, assinalou-se o encerramento do primeiro Curso de Pós-Graduação em Cuidados Paliativos que decorreu na Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo.
Os cuidados paliativos, conforme foi sendo veiculado ao longo dos meses que o curso durou, consistem nos cuidados activos e globais que são prestados por uma equipa interdisciplinar, devidamente estruturada, a pessoas (doentes e famílias) em intenso sofrimento, decorrente de uma doença grave, incurável, progressiva, em fase avançada e/ou terminal e têm em vista a promoção da qualidade de vida, da dignidade e do bem-estar do doente e família. Embora estes cuidados não se restrinjam ao fim de vida, torna-se evidente que, à medida que este fim se aproxima, as necessidades dos cuidados paliativos são maiores e a ênfase que neles é colocada torna-se, também, maior.
Muitas vezes, os cuidados paliativos – e os serviços especializados nesta área – são encarados como uma "antecâmara da morte", lugares onde o sofrimento e a morte imperam de modo evidente, como consequência inevitável de "já não haver mais nada a fazer"… Outras vezes, os profissionais das equipas de cuidados paliativos são encarados como "heróis bizarros", pessoas algo estranhas e "loucas" para aceitarem conviver, de modo claro, com a morte no seu dia-a-dia e que, por isso mesmo, certamente "ganham calo" e já não são afectadas, como os demais, por esta inevitabilidade…
Desenganem-se os que assim pensam… não há "calo" e não são "heróis"… há, isso sim, aprendizagem, crescimento, desenvolvimento pessoal, gratidão pela partilha do sofrimento do Outro e pela possibilidade de lhe promover uma morte mais digna, com os sintomas controlados e o sofrimento aliviado… há, isso sim, um trabalho rigoroso, sistemático e especializado, pautado pelo domínio de conhecimentos técnicos e científicos e pelo aperfeiçoamento constante de competências ético-relacionais… Serão "bizarros"?!?... Isso, sim, talvez o sejam, porque só com algum grau de excentricidade, gentileza, generosidade, bravura (há quem diga que é loucura!) é que se consegue fugir àquilo que é o convencional, àquilo que é o
Neste milénio, os cuidados paliativos são perspectivados como barómetro do desenvolvimento de uma sociedade. Assim sendo, há que criar os meios e as condições para que, também nos Açores, esse desenvolvimento impere!
E porque assim é, há que formar (e continuar a formar) os profissionais de saúde nesta área! Eis o motivo central para a criação deste curso na Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, que reuniu professores de reconhecimento mérito a nível nacional, alguns dos quais com projecção da nível internacional. Este curso reuniu os critérios e recomendações da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos e da
Para finalizar… passaram-se diversos meses desde o arranque deste curso, em Novembro de 2010… Ao longo destes meses, os alunos do Curso de Pós-Graduação em Cuidados Paliativos, em estreita articulação com a instituição que os acolheu e com a comunidade onde se insere, ousaram ir mais longe, ousaram aprender mais, ousaram arriscar, ousaram aderir a diversas propostas que lhes foram sendo feitas… organizaram actividades diversas, desde a tertúlia no Terceira Mar Hotel (ainda "verdinhos" naquilo que é o ser e pensar dos cuidados paliativos), às Jornadas sobre Organização de Serviços de Cuidados Paliativos nesta escola (aí, já mais maduros e com outro domínio teórico e científico) … pelo meio, criaram um blogue, escreveram artigos para os jornais locais e para revistas científicas nacionais… deram "corpo e voz" aos cuidados paliativos!
Que assim continuem é o que, como cidadãos, todos esperamos, em prol do desenvolvimento e consolidação do trabalho já realizado pelo Sistema Regional de Saúde na nomeação de equipas de cuidados paliativos (algumas já "no terreno", a acompanhar doentes e famílias…) e, mais ainda, em prol da organização de mais equipas e serviços de internamento desta natureza! Muito foi feito ao longo deste ano… mais há ainda a fazer! Continuem(os)…
Sandra M. Pereira

 Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Cuidados Paliativos
Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O “Calor Humano”

O “Calor humano” é uma expressão que se utiliza no nosso dia-a-dia e significa afectividade/afabilidade entre as pessoas. Pode ser considerado terapêutico e aliado com a honestidade, sinceridade melhora toda a comunicação humana estabelecendo laços entre os indivíduos. Também faz com que as pessoas troquem entre si histórias de vida, experiências e ensinamentos. Quem é rico de “calor humano” é uma pessoa afável, querida e bem-disposta.
Neste sentido, o “apoio caloroso da família” tem um efeito de bem-estar directo nos utentes. Ao longo do tempo os estudos realizados neste sentido, concluíram que os cuidados genuínos e calorosos têm sido associados a um aumento da esperança dos utentes com Cancro (koopmeiners e tal, 1997).
O “calor humano” é também extremamente importante entre colegas de trabalho. Grande parte da população ocupa a maior parte do tempo no local do trabalho, logo é importante “catalisar relações”, criar um ambiente de crescimento mútuo, promovendo a proximidade. Todavia, traz benefícios não só a nível pessoal como a nível profissional podendo mesmo ter aumento na produtividade de um serviço.
Levine e Adelman (1982) realizaram estudos nos Estados Unidos e concluíram que 93% das mensagens são transmitidas pelo tom de voz e pela expressão facial e só 7% por palavras. É importante estarmos atentos à forma como comunicamos. Muito do que comunicamos é por linguagem não verbal, mensagens simples como os músculos relaxados e a testa lisa, contacto visual confortável mostra uma atitude calorosa de atenção para com as outras pessoas.
Na mesma linha de pensamento, a expressão facial de uma pessoa é extremamente importante na comunicação, mostra muitas vezes o estado de espírito, transmite informações acerca da personalidade, interesses, compreensão com os outros, podendo abrir ou fechar uma conversa.
Os gestos calorosos nem sempre têm o mesmo significado universal. A interpretação do piscar dos olhos ou gesto da mão pode não ser considerados calorosos por quem recebe ao contrário da intenção de quem os enviou.
O “toque terapêutico” pode funcionar como uma forma afectuosa e simples de transmitir “calor humano”. Pode ser com um simples toque no ombro, um abraço, uma mão estendida, um pequeno gesto “vale mais do que mil palavras”. Contudo se for utilizado de forma excessiva pode ter o efeito contrário provocando incomodo e embaraço.
Podemos também transmitir calor humano através da nossa voz. Um tom suave, harmonioso, modulado com palavras “doces” transmite mais calor do que um tom agressivo e grave.
Em suma, o calor humano é um atributo humano indispensável ao nosso dia-a-dia. Quando se transmite calor humano com verdade e sentido estamos a demonstrar atenção e interesse a quem nos rodeia.
   Enfermeira Catarina Santos

terça-feira, 7 de junho de 2011

Cuidados Paliativos

A esperança média de vida tem vindo ao aumentar ao longo do tempo. Actualmente em Portugal, de acordo com a Direcção Geral de Saúde em 2000/2001, ela era, à nascença de 76,9 anos - 73 anos para o sexo masculino e 80,03 para o feminino. Contudo, o facto de se viver mais tempo não garante que se viva com qualidade de vida.
 Houve nos últimos anos uma evolução exponencial a nível tecnológico, a busca da “ cura” foi intensificada, e formou-se a cultura de “ negação da morte”. A morte é encarada como um” fracasso da medicina” e não é vista como um fenómeno natural.
A própria doença terminal tem normalmente relacionado um conjunto de problemas – não só físicos – que acarretam o sofrimento de intensidade diferente para aqueles que a vivem. A resposta a estes problemas, a esse sofrimento passa pelos cuidados paliativos.
 Sendo assim, em 2002 a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu cuidados paliativos como “ uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes – e suas famílias – que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso a identificação precoce e tratamento rigoroso nos problemas não só físicos, como a dor, mas também nos psicossociais e espirituais”.
O termo paliativo deriva do latino “ pallium”, que significa manto, capa. Nos cuidados paliativos, os sintomas são “encobertos” com tratamentos cujas finalidade primária e exclusiva consiste em promover o conforto do paciente tanto quanto possível. Os cuidados paliativos, todavia, estendem-se para além do alívio dos sintomas físicos, eles procuram integrar os aspectos físicos, psicológicos e espirituais do tratamento, de modo que os doentes possam adaptar a sua morte iminente de forma tão completa e construtiva quanto seja possível.
Os cuidados paliativos são cuidados de saúde preventivos: previnem maior sofrimento, motivado por vários sintomas (dor, fadiga, dispneia, vómitos, confusão), pelas múltiplas perdas (físicas, psicológicas e outras), associadas à doença grave e terminal, e reduzem o risco de lutos patológicos. Devem assentar numa intervenção interdisciplinar em que a pessoa doente e família, são o centro gerador de decisões de uma equipa que, idealmente, integra médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais. O que esta equipa pretende fazer é intervir activamente naquilo a que a pessoa doente manifesta ser para ela uma fonte de sofrimento. Nessa medida, convém relembrar que os doentes em fim de vida não sofrem apenas pelos sintomas físicos, mas por muitos outros aspectos.
Os cuidados paliativos assentam em quatro pilares fundamentais:
·        Saber controlar os vários sintomas que os doentes apresentam (e não apenas a dor), utilizando medidas farmacológicas e não farmacológicas.
·        Saber comunicar adequadamente com o doente e a sua família, usando obrigatoriamente estratégias para a promoção da sua dignidade.
·        Prestar o apoio à família, detectando os seus problemas, as suas necessidades, mobilizando também as suas mais-valias e ajudando-a a lidar com as perdas, antes e depois da morte do doente;
·        Saber trabalhar em equipa interdisciplinar, integrando o trabalho dos diferentes profissionais de saúde e voluntários, todos devidamente treinados, para dar resposta às múltiplas necessidades dos doentes e seus familiares.
Existem inúmeros utentes e famílias que necessitam de Cuidados Paliativos, uma vez que “(…) não são só os doentes incuráveis e avançados que poderão receber estes cuidados. A existência de uma doença grave e debilitante, ainda que curável, pode determinar elevadas necessidades de saúde pelo sofrimento associado e dessa forma justificar a intervenção de cuidados paliativos (…)” (APCP, 2006-b:4). Incluem-se no grupo de destinatários dos Cuidados Paliativos pessoas que apresentam:
·        Cancro;
·        SIDA em estádio avançado;
·        Insuficiências de órgão avançadas (cardíaca, respiratória, hepática, renal);
·        Doenças neurológicas degenerativas e graves;
·        Demências em estádio muito avançado.

Muitos utentes necessitam de ser acompanhados durante semanas, meses ou, excepcionalmente, anos, antes da morte, como tal, deve-lhes ser oferecida a possibilidade de receberem cuidados de saúde activos, rigorosos, que combinam ciência e humanismo, num ambiente apropriado, promovendo, desta forma, a protecção da sua dignidade.
        Enfermeira Catarina Santos                                                         

sábado, 4 de junho de 2011

Espiritualidade: Um aspecto essencial nos Cuidados de Saúde

Nos dias de hoje, com a evolução tecnológica e com o melhoramento dos cuidados de saúde, tem-se verificado que a pessoa tende a ser atendida preferencialmente para a sua dimensão física, por vezes considerando-se o utente como um misto de sintomas, minimizando a atenção para os aspectos espirituais. Efectivamente, o ser humano representa muito mais do que um conjunto de órgãos, músculos e ossos. Na verdade, cada indivíduo é um ser único e original, que funciona num conjunto de variáveis físicas, psicológicas, sociológicas, culturais e espirituais. Esta visão holística da saúde é o cerne e o centro da prática de enfermagem.
            A palavra espiritualidade deriva do latim spiritus, que se refere ao vento e à respiração, designando algo que está no centro de todos os aspectos da vida de uma pessoa (Dombeck, 1995). De acordo com o autor Carson (1989), a espiritualidade é a consciência do “eu” mais íntimo e um sentimento de ligação a um ser superior, à natureza ou algo superior a si mesmo (Reed, 1987). Por tal, a espiritualidade é essencial para o bem-estar do indivíduo, pois é uma dimensão na qual o ser humano se transcende e encontra um sentido para a sua vida.
É comum confundir-se o conceito de espiritualidade com religiosidade. Estas duas dimensões surgem, por vezes, associadas, na medida em que a religião pode constituir uma forma de expressão da espiritualidade de uma pessoa. De facto, a maioria das pessoas satisfaz as suas necessidades espirituais recorrendo à prática religiosa, reconfortando-se através dos rituais e da crença. Todavia, é possível atingir um bem-estar espiritual sem recorrer, necessariamente, a rituais religiosos. A espiritualidade deve ser encarada como algo que transcende as dimensões físicas e psicossocial, dando um sentido para a vida. Um exemplo de espiritualidade poderá ser a necessidade de encontrar sentido para algo que está a acontecer ou que já aconteceu.
Ao longo do tempo, têm sido realizadas diversas investigações acerca da associação entre espiritualidade e saúde. O facto de um indivíduo acreditar numa força superior, sentindo-a como um apoio, pode ter influência na saúde. Turney e Clancy (1986) estudaram utentes com lombalgias crónicas (dores de costas) e concluíram que um maior recurso à oração e à esperança estavam associados à diminuição da intensidade da dor. A investigação também demonstrou que a meditação proporciona bons resultados no tratamento de dor crónica, insónia, ansiedade e depressão. Humphreys, no ano 2000, verificou que o sofrimento de mulheres vítimas de violência doméstica diminuía com a variável pessoal de espiritualidade.
Concluiu-se, através das investigações efectuadas ao longo das últimas décadas, que existe uma forte ligação entre mente, corpo e espírito. As crenças e expectativas de uma pessoa podem ter efeitos no seu bem-estar físico. Muitos destes podem estar associados com as funções hormonais e neurológicas. Tem-se verificado que exercícios de relaxamento e visualização guiada, por exemplo, melhoram a função imunológica do indivíduo e que o riso aumenta o limiar da dor, reforçando os anticorpos e aliviando tensões.
Sendo assim, é de primordial interesse atender, de uma forma contínua e eficaz, às necessidades espirituais dos utentes e das suas famílias, de forma a proporcionar os resultados pretendidos em termos de saúde.
        Catarina Santos, Enfermeira

Todos nós convivemos com o Luto

Todo o indivíduo ao longo da sua trajectória de vida convive com perdas. Perdas essas que podem ser objectos, sonhos, projectos, pessoas, animais etc. Há quem compare a nossa vida a uma viagem de comboio com embarques e desembarques, perdas, conquistas e sonhos. Algures na nossa caminhada somos obrigados a despedirmo-nos de quem mais amamos, de quem nos marcou significativamente, ficando para sempre gravados no nosso coração.
A perda é uma mudança significativa e inclui um estado de privação de alguém, de uma coisa tangível (determinado cargo de emprego, uma casa, um carro), ou de qualquer coisa intangível (representações mentais, projecto de vida, esperança de fazer determinada viagem), desencadeando uma cascata de sentimentos, reacções afectivas, cognitivas e comportamentais levando ao processo de luto. Todavia, cada pessoa enlutada é um ser único, cada perda tem um significado específico para cada pessoa em cada fase da vida ou da doença.
Segundo Twycross, o luto é das experiencias mais dolorosas, causadoras de maior crise pessoal, tendo consequências para um número elevado de pessoas. O luto não é apenas emocional, é também uma experiencia física, intelectual, social e espiritual. Afecta sentimentos, os pensamentos e o comportamento. Uma grande perda obriga as pessoas a adaptarem as suas concepções sobre o mundo e si próprias. É um processo de transição.
O luto é universal, contudo depende de cultura para cultura a forma como se vive, como Africa do Sul o luto é vivido com alegria, fazendo-se o funeral como uma festa e convívio. Na nossa cultura, o luto é vivido com intenso sofrimento e as pessoas normalmente vestem-se de preto.
A maior parte das pessoas faz o seu luto com a ajuda da sua família e amigos, sendo o apoio psicológico uma grande ajuda ao longo deste processo. É importante que se tenha alguém para falar, desabafar e exteriorizar as emoções e sentimentos vividos. Em Portugal existe uma associação de apoio a pessoa enlutada, designa-se associação “APELO”.
Normalmente ao longo do processo de luto o homem depara-se com três fases fundamentais: Choque/negação; desorganização/desespero e reorganização/recuperação.
 Segundo Barbosa (2010) A fase de Choque/ Negação é normalmente a fase em que a pessoa entra em estado de choque, entorpecimento e negação, podendo alternar com intensa dor mental e lamentações.
A segunda fase caracteriza-se essencialmente por problemas afectivos como choro intenso, tristeza, inquietação, culpa, remorso, protesto, ressentimento. Quanto aos sintomas cognitivos, verifica-se preocupações e recordações recorrentes, sentimento de “pertença” do falecido, dificuldades de concentração. Também é comum ocorrerem problemas existências/espirituais como desespero, perda de finalidade, sentido de vida, ausência de desejo de continuar a viver. Por fim, podem existir problemas somáticos como cefaleias (dor de cabeça), problemas digestivos, palpitações, visão disfocada e comportamentais como conduta alterada, desejo intenso de retorno do falecido e isolamento social.
A terceira fase é essencialmente caracterizada por reconhecer a perda na realidade, limitar papéis antigos, reajustamento ao “novo” mundo verificando-se a aquisição de novos papéis, voltar ao trabalho, redescoberta de significado, bem como desenvolvimento de nova identidade.
Em suma, o processo de luto é um processo único, cada um vive de acordo com a sua personalidade e experiências muito próprias. A pessoa enlutada vive um processo contínuo. Para muitos a experiência mais dolorosa da sua vida.
Enfermeira Catarina Santos

terça-feira, 31 de maio de 2011

Jornadas - Organização de Serviços em Cuidados Paliativos



Entidade Organizadora: Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo - Universidade dos Açores

Local: Angra do Heroísmo

Data: 16 e 17 de Junho de 2011

Nível de Formação: Jornadas

Destinatários: Multiprofissional

Contactos:
Isabel Azevedo. ESEnfAH-UAç
Telefone: 295 204 410
Fax: 295 217 727
e-mail: aimazevedo@uac.pt

quarta-feira, 16 de março de 2011

A “Última Aula” de Randy Pausch

Reflexão
A “Última Aula” de Randy Pausch


Todos conhecemos casos de pessoas com doenças grave, progressiva, oncológica e em fase avançada e se preparam para uma difícil jornada até chegar à sua morte. A história de Randy Paush vem inverter esta tendência, mostrando ao mundo, primeiro através de um vídeo, com mais de seis milhões de visitantes, e depois de um livro, como se podem superar momentos que se adivinham fatais.
O livro “A Última Aula” de Randy Paush baseia-se numa palestra ministrada em Setembro de 2007, altura em que ele tinha 46 anos de idade e um gravíssimo cancro do pâncreas. Por isso, não lhe foi necessário fazer um grande esforço para se imaginar na situação de uma “última aula”. Randy Pausch estava decidido a viver da melhor maneira o tempo que lhe restava, e considerou que aquela oportunidade poderia ser a única para deixar aos filhos de tenra idade uma imagem positiva do homem que ele era. Essa aula transmite uma energia contagiante, inteligência e sentido de humor. Foi, na realidade, uma lição de vida e será uma fonte de inspiração para milhões de pessoas.
Pausch era professor na Pensilvânia e cumpriu a tradição americana de leccionar a “última aula”. Essa tradição baseia-se em convidar professores a irem e universidades a proferirem uma palestra, sobre os temos que mais valorizam para deixar ao mundo como seu legado pessoal se a sua vida estivesse a chegar ao fim. Quando Pausch foi convidado a dar a última aula o seu estado de cancro do pâncreas metastático era avançado. O público que assistia transmitia um olhar incrédulo, visto que ficaram surpreendidos com o facto de Pausch, sabendo que lhe faltavam poucos meses de vida, falava de vida a não de morte e ficaram surpresos também, pelo facto de apresentar boa forma física junto de uma força e um optimismo invejável. Deixou um verdadeiro testemunho de vida, pedindo para ninguém sentir pena dele, pois era, decididamente, o pior que lhe podia acontecer. Demonstrou o seu pensamento positivo e o forte apelo de encarar a situação da melhor forma possível. Paush não se debruçou sobre o tema da morte, mas antes sobre a importância de realizar os sonhos de infância e aproveitar cada momento como se fosse o último. A última aula revelou-se, assim, um legado para o futuro, não só para os seus pequenos três filhos como para todos que querem encarar a vida pelo lado certo.
Encontrar um sentido para a vida, mesmo quando se vive uma doença terminal, passa também por ter a convicção que se está a cumprir um papel e um fim que são únicos, numa vida que traz consigo a possibilidade de ser vivida plenamente, de acordo com o potencial humano de cada um. Dessa forma, poder-se-á atingir uma sensação de plenitude, paz interior e até mesmo de transcendência. Como dizia Frankl (2004: 87), o sofrimento existencial advém, frequentemente, da liberdade e da capacidade de exercer a responsabilidade pessoal pela própria vida, da capacidade “dolorosa” de ter de fazer escolhas.
Com a minha experiência profissional, muitos dos doentes em fase terminal de vida têm uma elevada sensação de bem-estar quando conseguem encontrar um sentido para a vida, funcionando assim, como protector face à depressão e à valorização negativa de sintomas da doença. Existem circunstâncias e sofrimento que não temos a possibilidade de mudar, como por exemplo uma doença crónica e incurável. Nesses casos, os doentes são confrontados a mudar-se a si próprios, reestruturar a sua vida, as suas prioridades, os seus valores e todos os seus objectivos que querem alcançar até ao final da sua vida. Face à crise que o confronto com a doença terminal representa, uma pessoa doente pode ou não ser capaz de encontrar um sentido positivo para essa vivência, pode ou não ser capaz de encontrar uma explicação, por isso, é crucial o nosso apoio junto do doente e família, ajudando-o a encontrar um sentido para a sua vida para que se sinta realizado! Não é invulgar na minha prática profissional deparar-me com relatos de pessoas que, apesar de muito doentes, encontram um sentido positivo para essas vivências, que lhes proporcionaram, inclusivamente, crescimento interior, procurando um sentido para a vida, “agarrando-se” à esperança da cura da doença.
É incrível a força interior que este livro transmite! A força de um homem que, sabendo que a vida ao lado da sua mulher e filhos estava a aproximar-se do fim lutou contra tudo. Nunca negou a sua doença, mas de um certo modo o cancro “serviu de suporte” para muitas mudanças na sua vida, para reestruturar as suas prioridades, objectivos de vida, desejos e preparar um futuro sólido para a sua mulher e filhos, pois como afirmava “O tempo gasto com lamúrias não nos vai ajudar a alcançar os nossos objectivos. E não nos vai tornar mais felizes” (Pausch, 2008:163).
Com o decorrer da pós-graduação em Cuidados Paliativos sinto, cada vez mais, a necessidade de reflectir sobre a importância da vida, o que á viver para mim? O que posso dar de mim ao outro para melhorar a qualidade de vida? Será que devo mudar as minhas atitudes, o meu modo de agir? O que posso fazer para que uma pessoa com doença grave, incurável, progressiva consiga ver no seu sofrimento um legado para todos nós? Os Cuidados Paliativos transmitem-me a essência do viver e do cuidar, reflectem o que uma pessoa com uma doença em fase terminal pode-me ensinar. Nesta área recebemos mais do que damos e aprendemos mais do que ensinamos.
 “É interessante ver os segredos que decidimos revelar no final de vida.…se queremos alguma coisa com força suficiente, nunca podemos desistir (e devemos aceitar um empurrão quando oferecido). Os muros existem por um motivo. E, assim que os ultrapassamos - mesmo que alguém nos tenha praticamente empurrado para o outro lado -, poderá ser útil para os outro contar como foi.” (Pausch, 2008: 213)
No final de vida, muitos doentes transmitem-nos uma paz e serenidade contagiante. Uma paz de quem está a fazer tudo o que está ao seu alcance, para ser feliz e fazer feliz quem os rodeia. Uma verdadeira lição de vida para os que vão continuar a saborear a essência de cada dia.
Em jeito de conclusão, algumas perguntas… convites à reflexão: O que gostaria de deixar como legado aos outros? Se hoje fosse dar a minha Última Aula, como seria? Qual a minha lição de vida?
Lara Ávila (Enfermeira, Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, E.P.E – Aluna PGCP ESEnfAH-UAç)